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Dietas funcionam para o tratamento do Autismo?

Muitas vezes, pais de crianças com autismo sentem a necessidade de encontrar um tratamento que ajude seus filhos a realizarem seu potencial máximo e a viverem uma vida independente.

Isso pode levar as famílias a experimentar novos tratamentos que se dizem promissores, mas que não apresentam evidências científicas que apoiam suas alegações. Uma dessas intervenções é a dieta sem glúten e sem caseína (SGSC), que elimina o glúten (encontrado em produtos de trigo) e a caseína (encontrada em produtos lácteos) da dieta da criança.

Pesquisas mostraram que 17% das pessoas com TEA — Transtorno do Espectro Autista —  usam alguma dieta especial, sendo a SGSC a mais popular delas, mesmo sem eficácia comprovada. Entenda melhor sobre as dietas no autismo, neste artigo.

Dietas no autismo

A causa do autismo ainda é desconhecida, o que leva os pesquisadores a considerarem possíveis fatores, sendo a dieta um deles. A estratégia de restrição alimentar para mudança de comportamento não é nova, existem pesquisas que datam da década de 1920.

A teoria do excesso de opióides ou “síndrome do intestino permeável” é uma das conceitualizações que sustentam o papel dos alimentos e das dietas no autismo. Propõe que os sintomas do TEA podem ser causados pela atividade excessiva de opióides e que crianças com autismo apresentam vazamento anormal dos intestinos (devido ao aumento da permeabilidade intestinal). 

Tanto o glúten quanto a caseína são decompostos no intestino em propriedades opióides. Portanto, alguns pesquisadores sugerem que o vazamento anormal do intestino permite que os opióides passem para o sistema nervoso central aumentando a atividade opióide do cérebro e, por fim, perturbando a função cerebral.

Grande parte da pesquisa em torno das conexões biológicas do glúten, da caseína e os sintomas de autismo deriva de um artigo de Wakefield em que os autores sugeriram três ligações ambientais potenciais para o autismo:

  1. comportamento e variações no funcionamento gastrointestinal,
  2. autismo e a vacinação contra caxumba, sarampo e rubéola,
  3. autismo e deficiência de vitamina B12.

No entanto, devido a interesses financeiros dos autores não revelados, imprecisões significativas no artigo e o que foi demonstrado ser uma fraude deliberada, Wakefield e seus colegas foram considerados culpados de violações éticas e falsas declarações científicas. Os resultados da pesquisa foram rejeitados e o artigo retirado do jornal.

Dieta sem glúten e sem caseína (SGSC) no autismo

A dieta SGSC (sem glúten e sem caseína) pode parecer um tratamento lógico para o autismo, já que elimina dois compostos com propriedades opióides. Se as pessoas com TEA tiverem níveis altos de opioides e aumento da permeabilidade intestinal, então a eliminação de alimentos com propriedades opióides deve diminuir a interrupção na função cerebral.

No entanto, essas diferenças gastrointestinais sugeridas em pessoas com TEA não são observadas de forma consistente, diminuindo assim o vínculo conceitual e científico entre a dieta SGSC e o autismo. As pesquisas sobre a restrição de glúten e caseína nas dietas no autismo são limitadas, apesar de sua popularidade como tratamento para o TEA. 

Os proponentes da dieta SGSC sugerem benefícios em uma ampla gama de sintomas do autismo, com mudanças na interação social e nas habilidades verbais. No entanto, a eficácia da dieta é baseada em autorrelato de médicos, pais e educadores, e não em uma medição direta, limitando a validade dos resultados.

Os pesquisadores que investigam os efeitos comportamentais de uma dieta SGSC em crianças com autismo produzem resultados conflitantes. Algumas pesquisas sugeriram que a mudança de comportamento como resultado da dieta SGSC não ocorre imediatamente, mas após vários meses de exposição à dieta. 

Dietas no autismo: custo financeiro e riscos à saúde 

Além da escassez de resultados de pesquisas que comprovem a eficácia da dieta SGSC, há outros fatores a serem considerados ao avaliar dietas no autismo, como o custo. Custa 242% mais caro comprar alimentos sem glúten, a diferença de preço varia de 32% entre as carnes a 455% entre sopas e molhos. 

Além disso, submeter uma criança a uma dieta SGSC pode ser socialmente estigmatizante, pois ela não poderá comer a mesma comida que seus colegas e amigos. As dietas SGSC podem também trazer riscos para a saúde, devido à diminuição de nutrientes essenciais, como cálcio e vitamina D.

As crianças com TEA são mais propensas a ter problemas na alimentação, devido à rigidez comportamental que, muitas vezes, leva a uma preferência por comidas processadas e ao baixo consumo de vegetais e frutas.

Devido a essa tendência de ter uma dieta limitada, a dieta SGSC pode resultar em uma alimentação mais nutritiva e equilibrada, pois elimina alimentos com baixo teor de fibras ou alto teor de gordura e aumenta o consumo de frutas e vegetais. 

Além disso, elimina a ingestão excessiva de produtos lácteos, que podem levar à constipação. É possível que uma mudança de comportamento positiva seja observada simplesmente porque a dieta é mais saudável e aumenta o bem-estar físico.

Agora, se a criança for alérgica a glúten ou a caseína, então a dieta SGSC pode ser considerada. Sem uma necessidade médica clara, até que novas pesquisas demonstrem uma forte relação causal entre a dieta SGSC e mudanças positivas específicas e mensuráveis no autismo, ela não deve ser usada para tratar este transtorno. 

As mudanças na dieta devem sempre ser monitoradas de perto por um médico. Os pais que optam por usar este dietas no autismo devem pensar nos custos como dinheiro, tempo, avaliar os efeitos, estado de saúde da criança e estigmatização social, em relação aos benefícios incertos.

Referências:

DIAS, Ebiene Chaves; ROCHA, Jokasta Sousa; FERREIRA, Gabrielle Bemfica  and  PENA, Geórgia das Graças. Dieta isenta de glúten e caseína no transtorno do espectro autista: uma revisão sistemática. Rev Cuid [online]. 2018, vol.9, n.1 [cited  2021-01-12], pp.2059-2073.

MONTEIRO, Manuela Albernaz; SANTOS, Andressa Assumpção Abreu dos; GOMES, Lidiane Martins Mendes  and  RITO, Rosane Valéria Viana Fonseca. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA SOBRE INTERVENÇÕES NUTRICIONAIS. Rev. paul. pediatr. [online]. 2020, vol.38 [cited  2021-01-12], e2018262.

2 Comments

  • Avatar
    Ronildo Corrêa
    Posted 30/01/2021 at 7:08 pm

    Aprendizado maravilhoso.

  • Avatar
    Rodrigo Souza
    Posted 07/04/2021 at 5:51 pm

    Logo após o nascimento, meu filho apresentou alguns sintomas que nos chamaram a atenção (falta de contato visual, esquiva do olhar, verbalização ou intenção de comunicação e compartilhamento, etc…) Aos poucos fomos incorporando a possibilidade de um diagnóstico de autismo; que veio aos 1 ano e 9 meses por 3 profissionais distintos especializados em TEA. Nesta idade meu filho apresentava um quadro muito triste, quase nenhum olhar, sorrisos ou intenção de se comunicar! O diagnóstico foi duro, mas necessário para iniciarmos os tratamentos. Analisando o caminho até ali, lembrei que havia introduzido os derivados de leite e alimentos com glúten havia aproximadamente 6 meses, e desde então os sintomas haviam se agravado bastante. Resolvi ao mesmo tempo que iniciei as terapias indicadas retomar a dieta que sempre havia lhe oferecido anteriormente…rica em vegetais, legumes e frutas, e remover os derivados de leite e alimentos com gluten. Minha experiência foi muito boa, e dentro de algumas semanas ele começou a ter maior iteração, melhorou a comunicação e conseguiu aproveitar muito mais das terapias. Hoje é uma criança que está tendo alta de algumas terapias, está falando + 400 palavras e utiliza funcionalmente, e é uma criança muito sorridente e feliz, o que nos enche de esperanças de um futuro brilhante. Se a dieta ajudou? Acredito que sim…e sinceramente acredito que ao menos mal não fez! Notei que as olheiras sumiram, o humor, a disposição e o contato visual melhoraram muito e o interesse em se comunicar foram ampliados…tudo isto em poucas semanas após o início da dieta! Casualidade? Talvez sim. A dieta exige que se tenha disposição de cozinhar (assim não fica caro e controla-se melhor o que está servindo), que se informe sobre os alimentos e beneficios de cada um e de que se tenha o apoio de um nutricionista para acompanhar as vitaminas e minerais…no mais não é tão diferente do dia-a-dia. A parte mais cara ainda é o leite (que fazemos em casa) mas utilizamos uma série de sementes, nozes e vegetais para ter um custo melhor e vitaminas diferentes. Acredito que nem todas as crianças com TEA possam ter benefícios de melhora do quadro com a dieta, mas no meu caso valeu a pena tentar e manter pois sempre que lhe é dado alguns alimentos com gluten, derivados de leite e açucares (como em festas de aniversários, reuniões de familia, etc..) alguns sintomas reaparecem em uma velocidade impressionante (irritabilidade, alteração no sono, risadas fora de contexto, olhar perdido) , e as vezes levamos dias para voltar a normalidade. Quando me perguntam se vale a pena, sempre respondo: “Para o meu filho funcionou muito bem…se quiser tentar, acredito que seja uma experiência gratificante, pois se não der os resultados esperados, ao menos alimentou seu filho de forma mais saudável”.

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